Filmado nas cidades de João Pessoa e Cabaceiras, no estado da Paraíba, o longa-metragem Por Trás do Céu, de Caio Sóh (Teus Olhos Meus), foi escrito originalmente para o teatro e agora adaptado pelo mesmo para o cinema. Com estreia prevista para o dia 6 de abril, o filme é protagonizado por Nathalia Dill, Emilio Orciollo Netto, Paula Burlamaqui e Renato Goes e tem como plano de fundo o sertão nordestino.
A história conta o drama de Aparecida (Nathalia Dill) e seu sonho de ver de perto o que existe além do seu mundo – seja a cidade, seja o firmamento. No que parece ser um pequeno vilarejo nos confins do sertão nordestino, Aparecida e seu marido Edivaldo (Emilio Orciollo Netto) veem suas monótonas vidas passarem sem sentido. Indignada com Deus e o Diabo, a mulher questiona a existência, a dor e os limites do ser humano.
Das cenas brotam espaços existenciais, interativos, vivos, por vezes personificados, verdadeiramente panteístas. Por Trás do Céu desenvolve um universo folclórico e sertanejo, cercado de transcendência, de vida e também de morte. Amor, comunhão, medos, angústias e esperanças, entre Deus e o Diabo, o bem e o mal, aparecem em meio a tensões internas e externas.
A produção é liderada pelo produtor Denis Feijão, da Elixir Entretenimento – responsável, entre outros, pelo premiados documentários Raul: O Inicio, o Fim e o Meio e Sabotage: O Maestro do Canão – em parceria com o ator e produtor Emilio Orciollo Netto e o diretor Caio Sóh, do Movimento Cinema Bruto.
O filme teve uma excelente passagem pelo 20a Festival CinePE, onde conquistou cinco prêmios, entre eles: Melhor Filme Pelo Júri Popular, Melhor Roteiro, Melhor Atriz Coadjuvante e Melhor Ator Coadjuvante. Saiu também vitorioso do 11º Festival de Cinema Latino Americano de São Paulo, realizado no Memorial da América Latina, com o prêmio do Público. Além disso, participou na seleção oficial de importante festivais internacionais como FESTin Lisboa, Festival do Cinema Brasileiro em Munique e Festival Du Film Bresilien em Luxemburgo.
O sertão no cinema
Os símbolos que individualizam o Nordeste em suas representações, como a seca, por exemplo, estão presentes no longa, tornando-os marca da região, caracterizando uma estrutura social de exploração e miséria. A identificação entre seca e Nordeste é perfeitamente natural e compreensível, pois a seca foi a matriz, a “mãe” da região, aquilo que, desde o início (finais do século passado) lhe conferiu uma identidade própria. Em torno de um fenômeno climático – falta ou irregularidade de chuva – foi-se criando e aprofundando uma “significação imaginária”.
Aliado ao fenômeno da estiagem, outra peculiaridade faz-se importante na representação nordestina: a feição natural-religiosa, que mostra, entre outros sentidos, a resignação de quem vive uma situação “dada” por Deus. “Os nordestinos tendem a atribuir à Natureza ou a Deus a responsabilidade pelos graves problemas da região, tornando, assim, seu mundo social uma realidade ‘dada’ e, portanto, imutável (ou, se mutável, não dependente dele, mas de outro)”.
Nesse cenário, povoam ainda os componentes sociais, políticos e econômicos que dão movimento às disputas por terra, dinheiro e poder. A partir dessas peculiaridades, vão se consolidando as construções simbólicas que dão visibilidade às “caras” do sertão, que vai sendo visualizado como espaço geográfico permeado de disputas, problemas sociais, costumes e tradições, e ainda com figuras caricatas, situações grotescas, religiosidade extremada e outros aspectos constantemente midiatizados.
No caso dos aspectos representativos do povo nordestino, apresenta-se a marca de luta sempre alinhada aos princípios religiosos e tradicionais, em que homem e mulher têm crenças, obedecem a princípios, defendem suas honras e etc., mas que, apesar dos mesmos ares, são individualizados em suas representações.
Nota-se a conservação de estereótipos sociais e a reformulação destes de acordo com os papéis sociais. Estereotipado, o nordestino assume, então, comportamentos previsíveis e uma posição de destaque nacional, uma vez que sua figura tem sido relacionada ao “habitat” ruralizado. Na medida em que as narrativas fílmicas vão moldando territórios e criando personagens, criam-se também sujeitos, caricatos e/ou heroicos, mas, sobretudo, figuras que identificam, através de signos, a vida do homem sertanejo.
Não chega a ser improvável que haja mesmo mundo adentro um lugar tão ermo e inóspito, esquecido por todos e devastado pela seca, como o remoto sertão que ocupa o nosso imaginário. Um canavial de sonhos tão distantes quanto o céu, a dor de uma perda violenta, a injustiça e a opressão, a miséria e a ignorância: tudo aqui é mote para as dúvidas de Aparecida, moça forte e irresignável que insiste em saber das coisas e luta para mudar seu rumo.
Estuprada pelo patrão na roça, ela perdera o filho que esperava e viu o marido se enterrar em vida, consumido pela tragédia e pela vontade de fazer justiça com as próprias mãos. Aparecida decide então construir de próprio punho uma máquina semelhante à que viu em uma revista e que possa transportá-la aos céus. Em sua ignorância, acredita mesmo ser capaz de voar e obter de Deus as respostas para suas indagações nem que para isso seja preciso deixar de lado o amor pelo marido e prefere desconsiderar a possibilidade do fracasso de seu audacioso projeto.