As desventuras e vitórias de quatro personagens arrebatadoras escancaram a realidade espinhosa de milhares de mulheres brasileiras em pleno século 21. Além dos dilemas próprios de qualquer ser humano moderno –relacionamentos amorosos, estresse no trabalho, despesas do lar – essas mulheres ainda se veem diante de preconceito, violência física e psicológica, e têm seus direitos negados diariamente.
Letícia, mulher trans e negra, decide ser mãe e é “assombrada” pelos fantasmas da discriminação e do julgamento público. Ao lado do namorado Domênico – também trans – ela irá compartilhar com o público os desafios reais que enfrenta durante o processo de transição pelo qual tantos transexuais passam atualmente. O casal recebe uma atenção especial na série, por representar um dos grandes tabus da nossa sociedade ainda hoje.
Além de trazer à tona questões importantes como os efeitos colaterais do tratamento hormonal, a personagem desempenha papel fundamental na história de outras mulheres, como Nathalia, uma garota homossexual e rebelde que se refugia nas drogas.
O projeto Mulheres em Série abre caminho por um terreno delicado e, por isso mesmo, inexplorado por outras obras de ficção. A escolha de um casal transexual no estágio inicial de mudança, em que os atores ainda apresentam muitas características do seu sexo de nascimento, é uma ousadia a que a série se propõe abertamente.
A parceria coma atriz Ana Victoria – Letícia, na série – que se dispôs a revelar todas as fases de sua transição diante das câmeras se converte num diferencial provocativo e instigante para um público ainda muito acostumado a estereótipos e normatizações. “A sociedade age como se pessoas trans brotassem do chão ‘prontas’. Transição é um processo lento, e até difícil, e a gente concilia com o dia a dia. Ninguém entra numa caverna e sai de lá com outro corpo; ele vai mudando lentamente, enquanto você pega o trem lotado, paga as contas, estuda…”, reflete Ana Victoria.
Assim, Mulheres em Série se destaca como a primeira obra audiovisual brasileira a abordar a discussão de gêneros com a utilização de um elenco inclusivo, que coloca seus atores nos papeis que desempenham no universo real. O próprio título da série surge como uma provocação. Segundo a diretora Maitê Sanchez, a escolha do nome é uma clara ironia à produção de peças como acontece nas fábricas.
“É uma crítica à padronização da figura feminina que vemos no cinema comercial, na TV e na publicidade, e que cria modelos ideais de comportamento e estética, prisões psicológicas que só permitem a perpetuação do preconceito e da exclusão”, conclui ela, que também fez direção de arte do curta Irene, vencedor do prêmio de Melhor Filme no II Festival de Cinema Universitário da Bahia.
Ao lado de Renata Freire, produtora executiva da série, Maitê idealizou o projeto há cinco anos e vem trabalhando na construção dos personagens desde o final de 2014. Renata fala sobre a importância de obras que abordem temas tão pouco discutidos atualmente como a transexualidade. “Seria fácil utilizarmos uma mulher trans completamente transformada, já com a aparência feminina. Bater de frente mostrando a transição desde o início é um marco. E esse é um espaço praticamente inacessível para o homem e a mulher transgênero. Não existe essa inclusão no audiovisual de hoje. A opção da série é mais uma afirmação do nosso papel de fugir à normatização do universo feminino e especialmente do transexual. Embora seja ficção, as histórias são reais”, afirma.
O protagonismo das mulheres em uma sociedade ainda sexista também se apresenta por meio da personagem Claudia, uma jornalista que ousa denunciar abusos semelhantes aos que ela mesma sofreu em um relacionamento doentio, e que acaba, por isso, batendo muitas vezes de frente com seu editor.
Mas, ao contrário do que se pode imaginar, Mulheres em Série não é uma obra voltada exclusivamente para o público feminino. O intuito da série é provocar discussões e reflexões a partir de dramas humanos, uma vez que busca dialogar com indivíduos de diferentes gêneros e classes sociais. Sem pretensões moralistas, ambiciona trazer ao conhecimento do público a diversidade tipológica das mulheres em seus meios.
Outra personagem que ganha destaque entre tantas histórias complexas é Rebeca, uma modelo plus size explorada pelo namorado em shows sensuais via webcam, vítima de agressões físicas e verbais que tenta esconder a todo custo de seus amigos e conhecidos.
ESTREIA
A urgência de incluir esses temas na agenda social e política brasileira se revela em números estatísticos que comprovam as limitações das conquistas. O primeiro episódio estreia no canal do YouTube nesta quarta-feira, dia 25 de maio. Para acompanhar mais do projeto Mulheres em Série, confira a página do Facebook. Assista abaixo ao piloto: