A pintura na parede do posto beira de estrada mostra um casal abraçado à contraluz do pôr do sol e os dizeres: Viajo Porque Preciso, Volto Porque Te Amo. Pausa para contemplar a imagem que expressa saudade, solidão e até certa nostalgia daqueles que transitam por rodovias desertas. Esse gesto é o impulso do filme de Karim Aïnouz e Marcelo Gomes, que encontra na frase o título-síntese da poesia fugaz das estradas.

A narrativa ficcional de Viajo Porque Preciso, Volto Porque Te amo foi criada a partir de registros documentais anteriores, feitos em deslocamento pelo semiárido da Bahia, Sergipe, Ceará, Alagoas e Pernambuco. O filme de estrada de Aïnouz e Gomes, agora disponível na Netflix, se constrói entre sobressaltos dos encontros cotidianos e paisagens transformadas em poesia. A história é contada pelo narrador-personagem José Augusto (Irandhir Santos), geólogo que mapeia a área para construção do canal que mudará o curso do rio (referenciando as obras da transposição do rio São Francisco). 

A iminência do fim conecta a experiência particular do personagem que vive o luto do término de um relacionamento com as paisagens que serão transformadas pela transposição do rio e o infindável horizonte das estradas. A narrativa em off, em primeira pessoa, alterna entre devaneios sentimentais e anotações científicas no caderno de campo. O tempo da narrativa, apesar de linear, divaga com a mente do personagem. As marcações dos dias se tornam menos relevantes a medida em que as emoções dominam a racionalidade.

As imagens em Super 8 e 16 mm favorecem a criação da atmosfera onírica que transmite a solidão e monotonia da estrada. O pôr do sol visto várias vezes no decorrer da narrativa provoca a sensação de que os dias são iguais, mas o tempo se materializa no contato com o espaço físico. Enquanto cataloga as famílias que serão afetadas pela construção do canal, José Augusto percebe o espaço ao seu redor que em breve será transformado pela inundação. Nada é permanente nem imune à ação do tempo.

A jornada sentimental de Viajo Porque Preciso… relata a tentativa de fuga da inevitável efemeridade das paisagens, relações e sentimentos. O filme é um experimento poético e imaginativo que cria outras possibilidades de acesso às imagens documentais. Aïnouz e Gomes dilatam o tempo e exploram o instante que antecedem o estrondoso fim, antes do rio mudar seu curso, antes de chegar ao destino final, antes de declarar o fim.