A começar pelo título muito bem elaborado, Quanto Vale ou É por Quilo? é daquele tipo de filme que chama atenção por nos levar a refletir sobre novas questões quanto mais pensamos. De uma adaptação do conto Pai Contra Mãe, de Machado de Assis, o roteiro, assinado pelo também diretor Sérgio Bianchi, estabelece uma analogia entre o contexto social do Brasil escravocrata e a sua atual realidade socioeconômica, tendo enfoque no comércio de escravos e na exploração da miséria pela mídia.
A indústria da solidariedade é desmascarada pelo filme que também permite o questionamento do que mudou desde a escravidão. Afinal, o que é ser livre? Hoje, cultiva-se o sentimento de liberdade (por vezes ilusório) porque os elementos da escravidão mudaram. “O que vale é ter liberdade para consumir. Essa é a verdadeira funcionalidade da democracia”, como diz o personagem de Lázaro Ramos. E quando se fala em alforria, antigamente vendida pelo senhor ao escravo, Quanto Vale… mostra o lado “democrático” da prática, que consiste na manutenção da esperança de poder mudar a situação daqueles que estão à margem do sistema.
Na avaliação do atual sistema carcerário brasileiro, outra comparação surge: suas celas, construídas com dinheiro público, remetem aos porões dos navios negreiros. A exclusão e o abismo social são temas fortes trabalhados, bem como a troca de favores, perpetuação das desigualdades e a denúncia como negócio, marketing e moral.
Quem ganha com os “investimentos comunitários” pode não ser a comunidade, e a solidariedade parece funcionar como abstenção de uma obrigação moral e cidadã. Estes fatos são reafirmados quando se destaca que as ações sociais funcionam como empresas gerando lucro. Como colocado por Bianchi, é nesta situação que surge uma linha tênue entre corrupção e responsabilidade social.
Apesar de ter sido lançado em 2005, há dez anos, Quanto Vale… continua sendo atual. A riqueza da abordagem de assuntos pertinentes à sociedade brasileira permite muitos questionamentos e reflexões. É necessário ter “olhos para ver” em qualquer época da história, até mesmo porque não há rótulos estampados discernindo mocinhos de bandidos, e as aparências podem ser meras maquiagens.
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