O vírus da puberdade atinge cada um de diferentes formas. Em Mate-me Por Favor, ele se propagou através de assassinatos, da sexualidade e da religião.
Anita Rocha da Silveira se amarra em analisar o escatológico da puberdade, com muito sangue, saliva, sexo e violência. Seus curtas premiadíssimos eram assim, e seu primeiro longa também é. O cinema brasileiro costuma mostrar um lado muito blasé da melancolia juvenil, mas Anita veio para dar um basta nisso.
Deixa eu te contextualizar. A trama acontece na Barra da Tijuca, bairro da classe média emergente carioca. Um serial killer mata várias menina adolescente e, aos poucos, todo mundo é amigo de alguém que foi assassinado.
O terror e caos social costumam ser prato cheio para os cultos religiosos. No filme, não é diferente. Uma igreja evangélica moderninha ganha vários adeptos usando a doutrina como conforto para a depressão que vira o bairro. A igreja é exclusiva para jovens — fenômeno cada vez mais comum no Rio de Janeiro atual — , com músicas gospel ao som do batidão.
Neste ínterim, os hormônios estão à flor da pele. A protagonista Bia (Valentina Herszage) e o namorado param de transar e passam a frequentar os cultos juntos. Acontece que o namorado prefere se manter casto. É claro que Bia não responde bem. Em todas as cenas de beijo, a menina sempre tem muito tesão.
Toda vez em que fala-se dos assassinatos, Bia redobra sua atenção. No jogo de handebol e na bagunça para pegar um lanche na cantina, os nervos de Bia a deixam agressiva. Toda e qualquer situação de adrenalina é vivida intensamente pela personagem. Valentina, com expressão e presença em cena, lembra muito Oksana Akinshina, de “Para Sempre Lilya”. A atriz merece atenção do mercado.
Esteticamente, o filme lembra muito os trabalhos de David Lynch. Na medida que em que o longa avança, o vírus da morte e da puberdade começa a fazer efeito nas suas vítimas. Para representá-lo, uma trilha sonora de suspense, cores frias e sequências oníricas. A fantasia é uma arma de Lynch na qual Anita se inspirou fortemente.
As personagens, por sua vez, lembram as de “Meninas Malvadas” e “Carrie, a Estranha”. Em momentos de suspense, as atuações caíam no caricato — o que não necessariamente é ruim, porque o filme não é um terror — , mas quando o clima era solto, as atrizes simplesmente viviam a si mesmas.
Chega disso de filme adolescente ser só tristeza. O adolescente chora? Bastante. Fica apático? Quase sempre. Mas o adolescente também quer mandar o quadradinho, beijar com tesão, provocar um ao outro, andar à esmo. Criar personagens com uma pegada bipolar — meio que em função de hormônios — foi uma grande sacada de Anita.
Eu, como adolescente carioca de 17 anos, me senti representado quando começou a tocar Claudinho e Bochecha. Nosso Sonho, musica clássica do funk charme Rio de Janeirense, foi cantada à capela pelo irmão da protagonista. Como pano de fundo, uma sequência de Bia entrando no funeral de uma das vítimas do serial killer. Se David Lynch tivesse nascido na Barra, ele faria um filme desses.
“Mate-me por favor” é de uma representatividade feminina muito interessante. Tal qual as personagens de Lynch, há em Mate-me uma protagonista empoderada. Além disso, relação dos assassinatos com o gênero feminino faz pensar na perseguição fetichiosa que as mulheres sofrem desde a juventude.
Este filme não é “Malhação” nem “Pânico”. Não é um filme investigativo nem um terror pastelão. A diretora/roteirista fez um drama psicológico que constrói muito bem as personagens, cria empatia com o público e representa com fidelidade as idiossincrasias da Barra da Tijuca e dos adolescentes cariocas da classe média, em geral.
Em sua segunda metade, o filme toma sua forma arthouse. A paleta de cores fica sombria, várias cenas delirantes/fantasiosas acontecem e Bia toma uma postura definitivamente maníaco-depressiva. Tudo isso sem parar de tocar o funk charme — e isso é ótimo.
Anita criou um potencial cult brasileiro. Mais uma para a safra de excelentes diretores da nova cena do cinema nacional, mostrando que há no mercado versatilidade e gêneros para todos os gostos. Hormônios, salmos, sangue, funk e juventude formaram uma ótima equipe.