Quando Sebastião Salgado, seu filho Juliano Ribeiro Salgado e o cineasta alemão Wim Wenders chegaram às margens do Rio Doce para gravar uma das cenas de O Sal da Terra, sequer imaginavam que o futuro daquela região poderia ser tão drástico. Foi lá, há pouco mais de dois anos, que o fotógrafo brasileiro analisou cuidadosamente a luz e o reflexo do rio, enquanto relembrava sua infância no município de Aimorés (MG).
Em 2015, a lama tóxica da barragem rompida em Mariana (MG) deixou seus rastros por aquele percurso, matando incontáveis espécies de seres vivos, desequilibrando o ecossistema e afetando a vida de populações ribeirinhas. Seja por causa da corrupção ou do descompromisso com o meio ambiente, as escolhas e ações humanas são responsáveis pelo crime e desastre ambiental.
E O Sal da Terra constrói justamente um paradoxo em torno da figura humana e a função que ela exerce no meio em que vive. O título é uma referência direta ao versículo bíblico que diz: “vós sois o sal da terra; e se o sal for insípido, com que se há de salgar? Para nada mais presta senão para se lançar fora, e ser pisado pelos homens” (Mateus 5:13).
Nos últimos 40 anos, Sebastião Salgado viajou por todos os continentes e testemunhou grandes conquistas da humanidade, mas também revelou seu lado mais sombrio e insosso. Depois de abandonar um doutorado na França e encerrar uma carreira promissora de economista para se tornar fotógrafo profissional, Salgado abraçou o viés social da profissão e fez disso seu estilo de vida. No documentário, Wenders e Juliano permitiram que ele se revelasse por suas próprias imagens e palavras, assim deixando expôr as marcas deixadas por suas experiências de vida. Trabalhar pela humanidade pode ser uma tarefa enriquecedora, mas também pode ferir, e Salgado é prova disso.
Entre fotografias em preto e branco, amostras de dor, violência e miséria se misturam à cenas de força, esperança e esplendor da vida. São imagens que capturam não apenas luzes e sombras, mas também histórias. A prova de que um ser humano pode ser tudo, assim como pode ser nada. Em um momento de reflexão, Salgado revela que não sabe bem quantas foram as vezes que desligou sua câmera para chorar.
Em suas viagens, o fotógrafo chegou até povoados miseráveis e esquecidos, acompanhou refugiados que seguiam sem rumo, viveu entre trabalhadores explorados e submissos e testemunhou a morte ser banalizada. Fez isso não para valorizar suas fotos no mercado – já que isso seria apenas uma decorrência – mas para denunciar as atrocidades que a humanidade comete contra si mesma e traduzir de maneira universal a insustentabilidade do modo de vida humana na Terra.
Após a realização de longos e intensos trabalhos de forte cunho social, reunidos nos livros Outras Américas (Companhia das Letras, 2015, 128 p.) e Êxodos (Companhia das Letras, 2000, 432 p.), Salgado desacreditou em sua espécie e foi dominado por uma profunda tristeza. Apesar de ser uma referência mundial quando o assunto é fotografia social, precisou renovar seu modo de vida e explorar novas realidades, arriscando assim iniciar um projeto capaz de renovar sua mente e reconstruir o sentido de seu trabalho para si.
E foi na Terra que o fotógrafo encontrou sua cura. Na fazenda que herdou de seu pai, plantou centenas de espécies de árvores nativas da Floresta Amazônica em uma área devastada e degradada e pôde ver a vida ressurgir. E decidiu fundar, em parceria com sua esposa, Lélia Wanick, o Instituto Terra, que hoje distribui mais de um milhão de mudas anuais para reflorestamento.
Como resultado de uma jornada de redescobrimento, Salgado apresentou Genesis (Taschen, 2013, 520 p.), obra que reflete sobre a falta de conectividade do homem com a Terra, a sua origem. Para se recompor da desilusão de uma humanidade perdida, resgatou o lado mais primitivo da natureza em um pedido de perdão. Salgado abomina a evolução irracional e autodestrutiva, mas consegue reacender a esperança de que um dia a humanidade poderá encontrar a cura de seus males e, enfim, reconectar-se ao seu meio e à sua espécie
Assista no Vimeo:
Publicado originalmente na Revista Administradores.
[authorbox authorid=”2″ title=”Sobre a autora”]