A história de Capitão Nascimento (Wagner Moura), Matias (André Ramiro), do tráfico, da polícia e da segurança pública na cidade do Rio, contada em Tropa de Elite (2007) e Tropa de Elite 2: O Inimigo Agora É Outro (2010), fixou na mente de grande parte do país. Esses filmes foram vistos por muitos. Juntos, os dois levaram cerca de 14 milhões de espectadores aos cinemas, sem contar com aqueles que assistiram em DVD (pirateado ou não) e também nos diversos reprises na TV a cabo.

Lembro-me de tentar ir ao cinema uma semana pós estreia e não conseguir assistir a Tropa de Elite 2. A fila dava voltas e se estendia pelos corredores do shopping. A popularidade do filme era transparecida nas falas, que se tornaram bordões, e nas cenas icônicas, repetidas e reencenadas em rodas de conversa entre amigos e familiares. E é aí que quero chegar.

Basta questionar a si mesmo, ou para conhecidos, a primeira cena que vem em mente quando se fala de Tropa de Elite. Certamente, muitos vão lembrar do momento em que Capitão Nascimento estapeia um soldado aos gritos de “pede pra sair”. Também pode ser que se lembre da cena em que, novamente ele, Capitão Nascimento, ao ser questionado sobre o destino de um traficante, recomenda que o mesmo seja posto ”na conta do Papa”. Na sequência, o homem é assassinado a sangue frio.

É possível afirmar que em Tropa de Elite a maioria das cenas trazidas à tona são as de violência. Mas por que não se lembrar do momento em que Nascimento, transtornado com a morte de um fogueteiro numa das operações do BOPE, decide voltar à comunidade para procurar o corpo do jovem? Se não da fala de início do próprio Nascimento, numa CPI instaurada pelo deputado Fraga (Irandhir Santos) que investiga a Polícia Militar do Rio de Janeiro? Nesta cena não menos marcante, o personagem de Wagner Moura, depois de servir mais de 20 anos à instituição, diz que a polícia do Rio de Janeiro deve acabar.

Violência em foco

No livro Espreme que Sai Sangue, de Danilo Angrimani, é feita uma análise sobre a prática do sensacionalismo na imprensa e na mídia. Sexo, escândalos privados, apelo linguístico e, ressaltando, violência. Os filmes de Tropa de Elite não são sensacionalistas. Afirmo isso pelo fato de que as histórias são bons recortes de realidades existentes no país. No entanto, é inegável: são bastante violentos.

Quando digo “bastante violentos”, quero na verdade dizer que a violência, aos olhos de alguns espectadores, ultrapassa, em termos de percepção, as principais críticas e levantamentos dos filmes, que são a corrupção policial, o alto nível de humanidade e estresse existentes na vida de um policial, além da crise na segurança pública na cidade do Rio de Janeiro. A violência em atos, que existe no filme para apontar os fatos apresentados anteriormente, é elevada ao destaque aos olhos do espectador brasileiro.

Émile Durkheim, filósofo francês e um dos pilares da sociologia moderna, afirma que uma sociedade muito violenta, a qual extrapola no quesito violência, é uma sociedade doente. Tropa de Elite apresenta uma sociedade extremamente agressiva e, consequentemente, doente. Sendo as cenas que marcam a memória popular aquelas que apresentam um alto índice de violência, pode-se utilizar os filmes de Tropa de Elite como meios de diagnóstico. Nossa sociedade está doente — tão doente quanto aquela apresentada na tela do cinema.

Sobrepor e destacar a violência do filme às críticas sociais que o mesmo apresenta é um sintoma gravíssimo de uma sociedade que se perdeu em algum ponto de sua recente história. Quem assistiu aos filmes fomos eu, você, as pessoas com as quais convivemos, as autoridades representadas e os moradores das comunidades que aparecem no longa. Quem sobrepõe a violência somos nós, também. Deixar a violência tomar essa proporção é coisa de moleque. Seria a solução “pedir pra sair”?