Em poucos dias, os jovens cineastas Aly Muritiba e Marja Calafange estarão em Veneza, na Itália, representando o cinema brasileiro. Eles são os responsáveis pela direção e roteiro de Tarântula, o único curta-metragem do Brasil a participar da 72ª edição do Festival de Veneza, que acontece de 2 a 12 de setembro. A produção será exibida na mostra competitiva Horizonte, que acontece em paralelo à premiação principal e é destinada às novas tendências estéticas e expressivas do audiovisual.
Além de Veneza, o curta paranaense, produzido pela Grafo Audiovisual, está com a participação confirmada em 21 festivais no Brasil e no mundo, entre eles o Festival de Biarritz Amérique Latine e o Festival du Cinéma Lusophone et Francophone de Montpellier, ambos na França; Encounters Short Film & Animation Festival, no Reino Unido; e Hamptons International Film Festival, nos EUA. Pelo Brasil, Tarântula passa pelo Festival de Brasília do Cinema Brasileiro (DF), Festival de Cinema de Vitória (ES), Festival Internacional de Curtas de Belo Horizonte (MG), Curta Santos (SP), Curta Cinema (RJ) e pelo Goiânia Mostra Curtas (GO).
Tarântula promete não pecar no terror psicológico. A história se passa em um casarão distante, onde mora uma família religiosa formada por uma mãe e suas duas filhas. Os mistérios começam com a chegada de um novo membro, que traz consigo uma ameaça iminente. O Assiste Brasil conversou com Aly e Marja sobre a nova produção e também sobre o cenário do cinema independente brasileiro. Confira abaixo o trailer de Tarântula e a entrevista completa com os cineastas:
Assiste Brasil – Para começar, gostaria de conhecer um pouco sobre vocês. Como começou a história de parceria entre Aly e Marja?
Aly Muritiba – Nós dois nos conhecemos graças a uma fotografia. Era 2010 e eu estava lançando um curta, o Reminiscências, que Marja viu e achou bacana. Descobri isso porque ela me escreveu, falando que tinha gostado do meu filme e me mandou o link do filme dela Ensaio Suíno, que também gostei. Continuamos a debater ideias e assim nasceu nossa amizade e parceria.
AB – E a história do “por trás das câmeras” de Tarântula? Como tudo aconteceu?
AM – Foi uma fotografia que deu o pontapé de Tarântula, nosso primeiro filme juntos. Logo depois desse nosso primeiro contato, Marja me mandou uma fotografia dizendo que adoraria fazer algo a partir daquela imagem. Uma menina que projeta em suas bonecas os castigos sofridos. Uma menina que, em nossa leitura, é castigada porque é forçada a rezar com a face votada para a parede. Foi deste princípio de culpa que veio a ideia e de debates, argumentação e contra argumentação surgiu nosso filme.
AB – Por que “Tarântula”?
AM – O nome original de nosso curta era Ausência, mas no meio do processo percebemos que este nome não dava conta do que realmente queríamos transmitir. Numa das cenas, a protagonista do filme interage com seu animal de estimação, uma tarântula, que é um predador muito paciente, como a protagonista do filme. E foi através desta associação que o nome do filme mudou.
AB – Vocês submeteram a produção a diversos festivais nacionais e internacionais. Como foi esse processo de finalização e submissão?
AM – Nós enviamos o curta pra muito festivais e até o momento todos os que divulgaram suas seleções incluíram o Tarântula, com exceção de Gramado, que não o quis. Mas, no final das contas, não participar de Gramado trouxe resultados bons, pois abriu espaço para Veneza e Brasília. O filme ficou pronto apenas em maio, então sua carreira está apenas começando. Nosso critério para submeter filmes a festivais é sempre o mesmo para todos os filmes da produtora Grafo Audiovisual: fazer uma boa estreia internacional, um boa estreia nacional e depois exibir o filme onde quer que ele seja solicitado. Optamos sempre começar por festivais porque é ali que o filme é testado e recebe (ou não) sua legitimação.
AB – Vocês esperavam ter essa grande receptividade internacional? Como foi receber a notícia de que iriam estrear em Veneza, um dos festivais de cinema mais importantes do mundo?
AM – Quando fazemos filmes não esperamos nada a não ser fazer um filme que gostemos de ver e do qual nos orgulhemos, neste sentido não, não esperávamos ter esta receptividade tão boa logo da saída. O que esperamos de agora em diante é conseguir provocar debates e jogar luzes sobre os filmes, seus temas e procedimentos narrativos.
AB – Marja, essa é a sua primeira experiência em festivais internacionais. Como é viver essa emoção da “primeira vez”? O que você espera dessas participações?
Marja Calafange – Eu já tive filmes selecionados em festivais internacionais, mas como infelizmente não pude estar presente em nenhum deles, nesse sentido é a primeira vez. E começar essa trajetória por Veneza é um luxo que realmente nunca passou pela minha cabeça! É meio surreal, acho que só vai cair a ficha quando estiver lá mesmo. Acho que a melhor parte de participar de festivais é conhecer outros realizadores, participar de debates, poder compartilhar um pouco do teu universo com o universo dos outros. E é claro, compartilhar o teu filme com o mundo.
AB – Vocês são cineastas jovens e ainda têm uma longa estrada pela frente. Como foi dar os primeiros passos nesse meio?
AM – Para mim, as coisas aconteceram de maneira muito rápidas e naturais. Eu comecei a fazer cinema em 2007 e meus filmes foram bem recebidos mundo a fora desde o começo.
MC – Tarântula também não é o meu primeiro trabalho, mas é naturalmente o mais maduro deles. Comecei minha carreira como diretora em 2010, mas não foi uma coisa muito planejada. Estudei cinema em 2007, e nessa época era mais focada em direção de arte. Só mais tarde acabou surgindo a oportunidade (e vontade) de dirigir e escrever roteiros.
AB – Quais são as maiores referências de vocês e como elas influenciam suas produções?
AM – Eu sou muito mais fã de literatura que de cinema, para dizer a verdade. Em cinema, meu maior referencial é Michael Haneke, cuja obra me toca profundamente, tanto temática quanto esteticamente.
MC – Eu particularmente gosto de diretores que trabalham com o desconforto: Haneke, Lars Von Trier, Gaspar Noe. Ingmar Bergman e Wong Kar-Wai sempre estão presentes nas minhas referências também, pelos enquadramentos, mise-en-scéne, profundidade. Na literatura Saramago, Hugo Mãe, Trevisan, entre outros. Tenho um acervo enorme de fotografia e sempre estou pesquisando. Pra mim é uma ferramenta incrível na criação e desenvolvimento de ideias.
AB – Marja, o cinema continua sendo um meio predominantemente ocupado por homens e, se formos avaliar mundialmente, ainda são poucas as mulheres que assumem a direção de filmes. Como você avalia esse fato no mercado cinematográfico do Brasil?
MC – Eu percebo que as mulheres têm – a curtos passos – cada dia mais marcado o seu lugar no mercado cinematográfico. Aqui em Curitiba temos alguns exemplos disso. Estamos vivenciando uma grande expansão desse mercado no Brasil, e consequentemente as mulheres estão tendo mais abertura. Acho que faz parte do processo evolutivo do cinema. O olhar feminino é único e tem tanto a acrescentar…
AB – Aly, além de Tarântula, você também vai percorrer o mundo com seu longa-metragem, Para Minha Amada Morta. Há pretensão de levá-lo para as salas de cinema do Brasil?
AM – Sim, o Para Minha Amada Morta chega as salas em março de 2016 pela Vitrine Filmes. Será minha primeira experiência em distribuição comercial e espero que seja bem sucedida. Acredito que o meu filme não seja um concorrente dos blockbusters americanos nas salas de cinema comerciais. São filmes tão distintos que não creio que o público de um não vá deixar de ver o Para Minha Amada Morta para ver o Superman X Batman, e vice-versa. São lógicas diferentes de mercado e acredito que sempre vai haver públicos para os independentes ou blockbusters nos cinemas.
AB – E quanto à receptividade do público e da crítica, vocês avaliam que o brasileiro dá a devida atenção às produções nacionais, principalmente filmes independentes e não comerciais, ou ainda há um certo preconceito e desvalorização?
AM – Ainda há sim, mas aos poucos vamos quebrar isso. Acredito que isso seja apenas uma questão de tempo. Desenvolver o cinema independente no Brasil não é uma tarefa simples, já que o mais obstáculo é o dinheiro (sempre). É preciso correr atrás para conseguir meios materiais para fazer aquilo em que se acredita.